Semelhanças e diferenças entre os países sul-americanos mais importantes no cenário vitivinícola global
Wallace Neves | Fotos Divulgação
Quando olhamos o vasto mapa do mundo dos vinhos, uma forma de deixar menos complexo a compreensão é dividir em duas partes: Velho Mundo, que é a Europa Clássica (França, Itália, Espanha, Portugal e Alemanha) e Novo Mundo (Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Canadá, etc). Quando olhamos para o continente sulamericano, países como Brasil, Uruguai, Chile e Argentina entram em cenas, sendo os dois últimos os mais importantes no cenário vitivinícola global. Tanto o Chile quanto Argentina possuem condições semelhantes e, evidentemente, muitas diferenças. Vamos abordar primeiramente as semelhanças.
A influência predominante entre os dois países são as cadeias montanhosas das Cordilheiras dos Andes. Além de determinar as qualidades dos vinhos argentinos pelas altitudes, no lado chileno será muito importante para arrefecimento das altas temperaturas diurnas. Além de dividir os dois países, a Cordilheira é a principal fonte de água. Quando as geleiras se derretem, formam os rios por onde os vinhedos serão irrigados.
Devido os vinhedos da Argentina serem cultivados em altitudes, o clima nesse país passa a ser continental com temperaturas moderadamente quentes ou quentes. Possui grande amplitude térmicas entre dia e noite, favorecendo o amadurecimento pleno das uvas, dando origem a vinhos de cores pronunciadas, com aromas compotados, de médio a alto teor alcoólicos e média acidez.
Quando falamos de variedades de uvas, a mais importante e emblemática é a uva Malbec. Porém, além dessa casta, podemos encontrar ótimos Bonardas, Syrah, cabernet Sauvignon, Merlot e a nova onda dos vinhos tintos argentinos que é a cabernet franc. No universo dos vinhos brancos, a Torrontes se destaca.
Geralmente, os vinhos brancos de torrontes terão uma cor amarelo-limão pálida, aromas de maçã, pera, floras brancas, lichia e damasco, com ótimo equilíbrio entre álcool e acidez. A Chardonnay também é muito importante no país, além da Sauvignon Blanc, moscatel e Pedro Ximenez. Existe uma grande mudança na filosofia de produção dos vinhos argentinos. Fomos acostumados com vinhos púrpura, aromas de frutas negras, caramelo, baunilha com taninos pronunciados e alto teor de álcool. Atualmente, os produtores procuram práticas de pouca intervenção, vinhos mais leves, delicados, com pouco ou nenhuma passagem em barris de carvalho. Em minha recente visita aos produtores da região de Mendoza, além de degustar vinhos com pouca intervenção, também degustei vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais.
Perguntei ao produtor Maurício Lorca sobre como as mudanças climáticas tem impactado a indústria vitivinícola da Argentina.
- Com o aquecimento global, as uvas têm elevado o nível de açúcar no vinhedo, diminuindo o potencial de acidez, não tendo tempo hábil para maturação fenólica e de aromas, além do risco de literalmente secarem no pé. Uma das soluções encontradas, foi plantar vinhas em altitudes mais elevadas. Quanto mais alto estiver o vinhedo, mais fresco é a temperatura e mais lento é o ciclo vegetativo. Porém, aumenta o risco das fortes geadas, que é o principal desafio dos produtores mendocinos.
Quando atravessamos os Andes, chegaremos ao Chile. Esse estreito e isolado país sul-americano fica imprensado entre as Cordilheiras dos Andes e o Pacífico. Com mais de 6 mil Km de litoral, divididos em quatro Vales vitivinícolas (Coquimbo, Aconcagua, Vale Central e Sul), que se subdividem em treze, sendo os mais importantes: Casa Blanca, San Antonio, Maipo, Colchagua, Cachapoal, Curicó e Maulle. Possui uma grande variedade de uvas, sendo as mais importantes: Cabernet Sauvignon, Carmenère, Merlot, Pinot Noir, Syrah para as tintas. E Chardonnay, Sauvignon Blanc, Riesling, Viognier para as brancas. O clima é diferente no Chile. Se na Argentina o clima é continental, no Chile é mediterrâneo. Comparando as regiões de norte a sul, não possui grandes diferenças. Porém, de leste a oeste, é notável as diferenças. Isso porque além da Cordilheira dos Andes, o Chile também tem a Cordilheira da Costa do Pacífico. Para tentar tornar mais simples podemos dividir esses vales em: Andes - mais fresco devido às altitudes dos vinhedos. Costa - mais fresco em virtude das brisas do pacífico. Entre Cordilheiras - fica bem no centro do vale, com temperaturas moderadamente quente ou quentes. Ideais para uvas de pele grossa, como Cabernet e Carmenère. Além do clima, da orientação leste oeste, é importante ressaltar a importância do solo. A convite da BWR Import, estive no Chile recentemente para conhecer a vinícola InVina no Vale de Maule. Percorrendo os vinhedos pude constatar a variedade de solos: pedregosos de leito de rio, solos de argila e até solos calcários.
As mudanças climáticas também têm influenciado os vinhos do Chile. Existem poucas camadas de gelos nos Andes. Com isso, menos água para irrigar as vinhas. Sem água, as videiras morrem. Outro fato é que os frutos estão tendo muito contato direto da luz e calor do sol, sendo queimados quando ainda estão verdes. Se na Argentina estão plantando vinhedos mais ao norte devido à altitude ser mais fresca, no Chile, as vinícolas estão buscando vinhedos mais ao sul pela mesma razão. Tem diminuído bastante as longas passagens dos vinhos em barris de carvalho. Porém, uma prática recorrente é a utilização de madeira alternativa, quando ripas de carvalho são adicionados dentro do tanque de inox, onde o vinho foi fermentado. Essa prática é muito discutida pelos profissionais e apreciadores de vinho no mundo todo. Quando bem executada, desafio o mais experiente dos sommeliers tentar ver a diferença entre o vinho que vai a madeira ou a madeira que vai ao vinho.
Uma nova onda dos vinhos chilenos, além de vinhos com madeira alternativa e vinhos de pouca intervenção, são as redescobertas das vinhas velhas localizadas no sul do país andino. Salud!
Wallace Neves (@walllace_sommelier) é sommelier e consultor de vinhos. Em 2022, foi eleito o melhor sommelier do Brasil pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS). É certificado Master Sommelier pela ABS-RS, WSET Level 3 pela Wine & Sipirits Education Trust de Londres e TEP (Teacher Education Program) da International Sommelier Guild.
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